“Bem como toda carência é desgraça, toda desgraça é carência.” (Santo Agostinho)
Falar de carência é falar de algo que nos acompanha, nos persegue, nos incomoda e, muitas vezes, até nos cega e imobiliza. Sim, todos nós somos carentes de afeto, de atenção, de cuidado, de carinho, de amor. Porém, reconhecer essa verdade nem sempre é tão agradável quanto parece. Lidar com nossos afetos e sentimentos talvez seja tão desafiante e trabalhoso quanto lidar com os nossos pecados; isso por que, em todo caso, como bem diz Santo Agostinho, um está intimamente ligado ao outro. Por isso, a forma como expressamos todas essas coisas que tanto nos abalam precisa ter limite, vigilância, cuidado, e este é o grande remédio: o autoconhecimento.
Os primeiros passos para enxergarmos onde está o sentido e motivo de nossas ações e reações diante de cada acontecimento do presente é conhecer – tocar de novo – a nossa vida, o que já vivemos e escrevemos ou que permitimos que os outros escrevessem em nossa história. Passar, então, por nossa história, por cada página do livro que nos formou é um processo lento, doloroso e interminável, mas que nos traz frutos incalculáveis. Enxergar-nos, porém, muitas vezes, causa-nos repulsa, pois nos ficam expostas nossa humanidade e nossas fraquezas, que “gritam” dentro de nós. Mas esse é o precioso caminho do autoconhecimento e, acreditem, interromper o processo no meio do caminho é muito mais desastroso que não começar. É como uma cirurgia que deve ser feita e que, depois de se abrir o corpo e expor a área lesionada, fosse deixado aberto e a cirurgia ficasse inacabada.
Cada um encontra uma forma, disfarçada ou descarada, de expressar e expor suas carências, chamando atenção para si pela forma de vestir, de falar, de escrever; mostramos nossas carências por aquilo que desejamos, pela música que ouvimos, pela carta que escrevemos, pelo colo que pedimos, pelo carinho que rejeitamos, pelo pouco que comemos, pelo tanto que bebemos, pela forma como tratamos ou usamos o outro e seu corpo, pelo jeito tímido, calado, reservado, falante… no fim das contas, em tudo se camuflam e se escondem nossas carências!
Portanto, o grande limite para os excessos em nossas carências é assumirmos, em primeiro lugar, que somos limitados e, por isso, “cheios de ausências” que desejamos e precisamos preencher. O grande segredo, então, é o freio que nos impomos e a decisão de reorientar e preencher nossos vazios com o único que pode e consegue preencher o que em nós é precário, insuficiente. Só o Senhor pode curar e restaurar o que nos falta ou que um dia nos deixou feridos. É claro que, como em todo o processo de cura, não podemos e não devemos caminhar sozinhos; há pessoas, livros, meios que o Senhor nos concede que nos ajudam nesse caminho: um diretor espiritual, um amigo com discernimento e comprometido com nossa santidade, um formador, um acompanhador. Todos eles têm o compromisso de “trazer à tona” aquilo que não enxergamos por causa da cegueira causada por nossas carências.
Por isso, dizia Santa Terezinha: “Minhas mortificações consistiam em refrear minha vontade, sempre prestes a se impor”. Rezemos, então, começando agora, por aquilo que precisamos nos corrigir e deixemos que o Senhor realize em nós Sua obra e as curas necessárias para perseverarmos nesse processo de conversão, de autoconhecimento, de mortificação de nossas vontades, de cuidado e zelo com nossa história, com aquilo que somos, fazemos e expressamos!
“Louvado seja Jesus que, pela liberdade que Ele me concede, me permite escolher Sua santa vontade!”
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